Speak Low/Billie Holiday (Bent Remix)

Ousadas eram aquelas gotinhas de chuva que se esparramavam suicidamente no pára-brisa do meu carro, caiam em seqüências desordenadas, aninhavam-se, cobrindo todo o vidro de “flores” cor de água… e rapidamente seus baques assumiam o ritmo da música que tocava no player.

No instante em que o sinal se avermelha, paro cuidadosamente e vou cedendo ao efeito hipnótico deste espetáculo do simples, do casual.

A música era o motor que ativava o momento, coordenava a atmosfera. Ela criava em minha mente imagens, logo em seguida, projetadas naquela tela de vidro – já completamente tomada pelo emaranhando de “flores d’ água”. Por sua vez, esta película úmida liberava, de fora para dentro do carro, apenas formas abstratas, retorcidas e envoltas em luzes piscantes na cor vermelha (às vezes laranja; ou verde).

Seu bloqueio me protegia, por um instante, da entrada daquele fim de tarde com suas formas e cores impiedosamente reais e absolutas.

Viajando, sentia-me como se estivesse num comercial de Campari ou dentro de um filme de David Lynch – ou nos dois ao mesmo tempo.

“Speak low when you speak, love /Our summer day withers away too soon, too soon / Speak low when you speak low…”

E trocando as bolas, ora eu “via” a música na tela vítrea, ora escutava os pingos da chuva no som do carro.

De repente… Um BIP! Bem forte. Vindo de trás.

Passo a mão mecanicamente num botão e lá vêm aquelas lâminas assassinas de borracha, limpando tudo, apagando o sonho; deixando entrar pelo vidro límpido, finalmente, um entardecer nervoso, de pessoas em movimentos frenéticos, luzes em piscadas de alerta, carros ariscos.

Sigo meu rumo enquanto a música, remixada para proporcionar uma sensação de profundidade etérea, continuava:

” Speak low, darling, speak low /Love is a spark, lost in the dark too soon, too soon /I feel wherever I go that tomorrow is near, / tomorrow is here and always too soon”

Música: Speak Low – Billie Holiday (Bent Remix)
CD: Verve Remixed, Vol. 3